sábado, 17 de setembro de 2011

Deserto


"Você é um copo de água no deserto do meu coração", ele disse.


Ela sentiu vontade de pular no pescoço dele e enchê-lo de beijos e de carinho, de tão fofo que achou aquilo. Mas lembrou que estavam a milhares de quilômetros de distância. Coisas da internet, dos novos tempos, uma paixão à distância, que nascia devagar, ficando mais perceptível a cada conversa, a cada madrugada passada "juntos".

Ela não viu, mas ele tinha os olhos embaçados de lágrimas quando disse a frase. Os dois ouviam Estelle*, perdidos em salas distantes, em ruas desconhecidas, um em cada canto desse país enorme, enquanto o relógio ia devorando os minutos e vomitando as horas.

Ideia dela: "eu te passo os links e ficamos ouvindo as mesmas coisas no Youtube." Ele achou engraçado a princípio, mas topou a parada. Só não se lembrava mais de como a letra de uma música podia mexer com todo seu emocional, fazendo aflorar sentimentos colocados a fórceps nas gavetas escuras do coração.

Certas coisas ele realmente não lembrava, mas outras ele simplesmente não queria lembrar, não quando "estava" com ela. No entanto, esquecera de combinar isso com o próprio coração e agora estava se sentindo um tolo. Desperdiçava o tempo com aquela garota incrível, linda – ao menos para seus olhos cansados – inteligente e com um bom gosto musical e cinéfilo de causar admiração.

O que pensaria ela? Pensou em voz alta, mas deu de ombros. Nunca saberia, mesmo porque ela não costumava dizer o que pensava dele.

Ficou um tempo calado olhando para a tela do computador, escutando Estelle pela oitava vez e com os dedos trêmulos, digitou: "Coloca outra música, DJ!", acompanhado de um emoticon de sorriso no final da frase.

Do outro lado do "mundo" ela sorriu satisfeita e foi escolher algo menos Maísa, menos "de cortar os pulsos", enquanto, sozinho, ele chorava baixinho.

* Ao som de Estelle - Thank you.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pour Elise


Quem gosta de escrever, raramente escreve à-toa e, tampouco, impunemente. Todo texto tem uma história por trás e gera alguma repercussão, boa ou ruim. Escrevi o poema abaixo em 2003 e lembro muito bem o porquê. Eu havia me separado no final de 2002 de uma mulher de quem gostava muito e, por pura comodidade, ao invés de sair às ruas para conhecer alguém, ficava horas vagando na net. Foi assim que conheci "Elise". Uma garota encantadora que escrevia poemas levemente eróticos e de muito bom gosto. Das leituras de nossos blogs passamos aos comentários e destes à troca de mensagens, na época, pelo ICQ e por email. Acabei me apaixonando (que surpresa!) e escrevi o poema para ela. Então ela percebeu o que tinha acontecido e abriu o jogo. Era casada, usava um pseudônimo (Elise, obviamente) para escrever e navegar e morava a milhares de quilômetros de Porto Alegre. Concordamos em terminar nossa pseudo relação. Foi uma das coisas mais tristes que já me aconteceu. Leia o o poema e tente entender como eu me sentia quando "estava" com ela.

Pour Elise

Hoje me deu vontade
de escrever um soneto,
e depois te pedir um beijo,
daqueles de estalar os lábios,
e um abraço dengoso,
daqueles bem apertados,
inteiros e vagarosos,
bem no meio da tarde,
em uma esquina qualquer,
com pessoas paradas em volta,
esperando que acabemos,
esperando que sumamos,
ou, quem sabe, que somemos,
ou que respiremos, ao menos!
para que possam perguntar-nos:
de onde vem esse afeto?
de onde vem tal calor?
que nos deixa as faces coradas
e a respiração bem curtinha,
e as pernas meio moles,
e a cabeça na lua,
e as mãos assanhadas,
enquanto a tarde evapora
e o sol vai indo embora,
e a rua ficando deserta
e só uma coisa é certa:

eu vivo de vontades.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Marcha do quê?


Uma chamada no site da Zero Hora anuncia que milhares de manifestantes se reuniram em Porto Alegre para protestar contra a corrupção. O conteúdo da "matéria" minúscula informa que 300 pessoas começaram a passeata. Quando chegaram ao seu objetivo, já eram em número de mil.

Nem 300, nem mil são milhares, certo? Depois ainda me perguntam por que cancelei a assinatura quando descobri que estava ajudando a financiar uma descarada campanha para o SSerra em 2010.

Olhando a única foto na "matéria", minha conclusão é simples: 300 playboys sustentados por papai e mamãe, entediados com seus iPads 2 e seus notebooks de última geração, largaram seus carros zero na garagem e resolveram sair às ruas para depois terem o que comentar no Facebook, já que em quarta-feira não tem balada. Ou tem?

Um poema de Pessoa


Conta a lenda que dormia
uma princesa encantada
a quem só despertaria
um infante que viria de além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, vencer o mal e o bem,
antes que já libertado, deixasse o caminho errado
por o que a princesa vem.

A princesa adormecida, se espera,
dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte, esquecida, verde,
uma grinalda de hera.

Longe o infante esforçado,
sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado,
ele dela ignorado e ela pra ele, ninguém.

Mas cada um cumpre o destino.
Ela, dormindo encantada, ele, buscando-a sem tino,
pelo processo divino que faz existir a estrada.

E se bem que seja obscuro,
tudo pela estrada afora e falso,
ele vem seguro, e rompendo estrada e muro,
chega onde em sonho ela mora.

Inda tonto do que houvera, à cabeça em maresia,
ergue a mão e encontra hera,
e vê que ele mesmo era,
a princesa que dormia.

Eros e Psiquê, de Fernando Pessoa.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Menino bem-mandado


Mais uma inspiração do MSN.

Ela - Oi. Só agora vi teu recado.
Ele - oi... sem problema
Ela - Queria falar comigo?
Ele - sim... mas espera... vou tirar o pão
Ela - Pão???
Passa-se um minuto.
Ela - Toc toc. Você está fazendo pão?
Passam-se + três minutos.
Ele - eu não, a maquininha
Ela - Que maquininha é essa??
Ele - eu tenho uma panificadora...
Ela - Ah! Adoro pão quentinho! Com manteiga e com melado.
Ele - o pão tá quentinho... acabei de tirar, mas não tem manteiga nem melado... :)
Ela - Vá buscar, ora!
Ele - ah, tá, desculpa, to indo...
Ela - Hahahaha.
Passam-se dois minutos.
Ela - Toc toc. Tá comendo sozinho o pão?
Passam-se + cinco minutos.
Ela - Onde foi você, hein?
Passam-se + dez minutos.
Ele - pronto... tá na mesa...
Ela - O que está na mesa?
Ele - o pão, que agora está morno, a manteiga e o melado... vem comer comigo...
Ela - Não acredito que você foi comprar!
Ele - sim, fui... agora vem...
Ela - Mas eu estou a 400 km de Porto Alegre!
Ele - que pena! vou ter que comer sozinho então... :)
Ela - Filho da mãe!!! Não falo mais com você!
Ele - é uma pena, mas o pão tá uma delícia... ;)

Seu contato parece estar offline. Blá blá blá...

Hehehehe. Cruel.

sábado, 3 de setembro de 2011

Abaixo os muros!


Eu não gosto de apaziguadores.

Na verdade, eu não gosto de apaziguadores em determinados momentos da vida, em que é preciso mostrar de que lado tu estás.

Uma pessoa me disse há pouco que sou importante para ela por que sou transparente, sincero. Eu sempre escolho um lado. Nunca fico em cima do muro. Não gosto de muros.

Me criei em casa de madeira, com cerca de sarrafos. A cerca, mesmo limitando um espaço, nunca esconde o que tem do outro lado. Porque nunca se pode perder a dimensão do que há do outro lado. Não adianta fazer de conta: o inimigo não dorme. Se tu dormires, não acordas. Ou acordas no cabresto.

Inimigo? Sim. Ou tu acreditas que o mundo – nosso país inclusive – chegou à merda em que chegou por nada? Se tu não pensas em política, não fazes falta, os filhos da puta pensam-na por ti. Tu não discutes política? Boa! É isso que eles querem.

Quem não discute política, faz o quê? Assiste ao faustão, passa horas discutindo novelas? Ótimo! Tu és o pato, o perfeito otário, pronto para ser envolvido nas mentiras, nas artimanhas. Sejas complacente, é um direito teu. Um direito que eu respeito, mesmo indignado.

Agora, vou te pedir uma coisa: quando me vires brigando, se não vens para me ajudar, já que sabes pelo que estou lutando, então que não venhas apartar!

Porque, podes crer, vai sobrar para ti também.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Alfonsina y el mar


O calor da caneca de chá briga com o gelo das mãos.

Mercedes (en)canta Alfonsina y el mar.

Te vas Alfonsina con tu soledad. ¿Qué poemas nuevos fuíste a buscar?

E uma saudade antiga recosta-se ao meu lado no sofá.