quinta-feira, 31 de julho de 2008

A vida é melhor com companhia

Eu me criei na companhia de animais. Tirando meu irmão mais velho, perto do qual o jogador Edmundo é uma lady, eu sempre convivi com bichos desde quando consigo me lembrar. Minha mãe era colona, dessas que vêm para a cidade grande achando que poderá ter uma vida melhor. Sendo assim, a gente tinha em casa, uma pequena casa de madeira num grande terreno em Gravataí, bicho de tudo que é tipo. Criávamos porcos, galinhas, patos, marrecos, coelhos, caturritas, cachorros e gatos. Eu acompanhei e ajudei no parto de muitos desses bichos. Se tivesse sido estimulado a estudar poderia ter sido um excelente veterinário. Todos eles conviviam harmoniosamente no meio de uma grande horta onde minha mãe plantava de tudo. Me criei comendo muita coisa direto do pé, tipo espinafre, que só fui aprender a comer cozido quando fui morar em São Paulo, com quase vinte anos de idade.

Uma coisa curiosa é que eu já não gostava de carne desde muito pequeno. Era uma briga quando tinha matança de porcos ou quando minha mãe usava economias feitas a muito custo para comprar carne vermelha e fazer um churrasco. Eu só queria comer as saladas de batata (adorava!), alface, cebola e tomate. Aí vinha aquela conversa mole de que eu cresceria fraco se não comesse carne, conversinha que jamais me convencia, e depois vinham as ameaças, "come senão apanha", e eu acabava comendo algum pedaço, mas aquilo me descia quadrado e eu só pensava "quando ficar grande não vou comer carne, não vou comer criaturas que são meus amigos".

Sim, eu considerava os bichos que criávamos como amigos. Tinha um pouco a ver com o fato de ser o caçula e meio sozinho. Minha irmã, quatro anos mais velha, achava uma bobagem as brincadeiras que eu mais gostava, tipo subir em árvores, nos galhos mais altos, e ficar me balançando, imaginando que estava voando. Meu irmão, nove anos mais velho, já era escroto desde cedo e eu só queria distância dele. Acabava conversando com os bichos mesmo. E sofria muito quando via que alguns deles iam parar nas panelas de casa.

Uma vez, eu devia ter uns nove anos, um dos porcos chegou no ponto de carnear. Minha mãe chamou o matador da vila, famoso por matar os porcos com uma única estocada no coração. Acontece que naquele dia o cara chegou bêbado para fazer seu "serviço". Os vizinhos reunidos — era uma verdadeira festa, muitos ganhavam torresmo e banha — e o cara, trocando as pernas e enrolando a língua, pediu que segurassem o bicho. Com a vítima imobilizada, deu a primeira estocada. O bicho berrou de um jeito que só um porco consegue fazer e seguiu de pé. O desgraçado tinha errado o coração! Todos se apavoraram. Eu espiava de uma distância segura, com um nó na garganta. Então ele deu a segunda estocada: pra desespero geral, errou de novo. O sangue começou a esguichar e começou a molhar as pessoas que seguravam o porco. O animal começava a gritar cada vez mais. Outros correram para ajudar a segurar o bicho que ganhava uma força que só quem sabe que está sendo assassinado pode conseguir. Depois da terceira estocada errada, ele perguntou para minha mãe se tinha um machado. Não me lembro o que ela respondeu, mas lembro de vê-lo já com o machado na mão e gritando "segura o bicho" e logo em seguida o som abafado do crânio rachando...

Difícil descrever a cena: o bicho caído, esvaído em sangue, o crânio afundado, as pessoas em volta, encharcadas de sangue comemorando como se fosse um gol da seleção de 70, naqueles tempos de "Brasil, ame-o ou deixe-o". Ainda lembro de minha mãe lamentando o sangue desperdiçado, que poderia ter sido aproveitado para fazer morcilha.

Daquele dia em diante, com ou sem surra, jamais coloquei qualquer pedaço de carne de porco na boca. Também jamais maltratei um animal. Já adulto descobri que preferia os gatos aos cachorros, apesar de, em geral, os cachorros simpatizarem comigo. Me agrada a independência dos felinos. Não gosto de gente dependente nem grudenta. Acredito que os relacionamentos, por mais íntimos que sejam, também são feitos de silêncios e de distâncias. Um gato sabe muito bem como lidar com isso.

Atualmente tenho seis gatos em casa. Eram apenas dois, o Dudú e a Rita. Há um ano a Ritinha morreu por causa de um tumor no pulmão. Na mesma época encontrei a Nina. Eu saí para ir ao mercadinho aqui perto e encontrei-a comendo lixo na rua lateral. Era pura pele e osso e orelhas, orelhas enormes em relação à pequenez dela. Parei e fiquei observando-a. Ela me olhou, deu um miadinho e seguiu comendo restos de um peixe. Então, disse-lhe que se ela estivesse ali quando voltasse a levaria para casa. Na volta, bastou chamá-la e ela veio como se já fôssemos conhecidos. Peguei-a com a mão que estava livre e ela se aninhou contra meu peito, sem nenhuma resistência, sem nenhuma reclamação. Levei quase uma semana limpando o pêlo dela que caía ao menor toque. Não podia dar-lhe banho pois era época de muito frio. Com um paninho molhado, ia limpando-a e logo em seguida a secava com algum pano seco. Ela comia desesperadamente. De tão pequena, imaginei que tivesse um ou dois meses de vida. Aos poucos foi tornando-se uma gatinha muito bonitinha.

Eu já me preparava para castrá-la quando meus amigos chamaram minha atenção para a barriguinha exagerada dela. Para mim, era só a barriga de uma gatinha faminta, que passara muito tempo sem comer direito. Doce ilusão: ela estava grávida! Sem entender como era possível, sendo tão novinha, levei-a até a Tainá, um amor de veterinária, daquelas pessoas que amam o que fazem. Aí, a grande surpresa: ela tinha três ou quatro anos! Era pequena por ser desnutrida. Provavelmente nunca tinha se alimentado bem. Namorou o Dudú descaradamente, debaixo do meu nariz, hehehehe. Desse namoro nasceram a Guida, apelido dado por uma paciente minha porque eu a chamava de desmilinguida; a Duda, versão feminina do pai, quase um clone; a Tim, diminutivo de Tinhosa, a gatinha que abre portas, sempre puxa as brincadeiras e é a cara da mãe; e a Nega, a única que nasceu com a pelagem de uma única cor, um cinza chumbo muito sedoso e brilhante e que é a mais carinhosa de todas: adora um colo e vive subindo nos meus ombros quando vou fazer comida.

Como vocês podem ver, bicho é o que não falta em minha vida. Mas, se você mora em Porto Alegre ou arredores e tem vontade de ter um bichinho, deve conhecer o PROJETO BICHO DE RUA. Mesmo aquele que não pode levar o bicho para casa por falta de espaço ou condições de cuidá-lo, pode virar padrinho de algum bichinho. Vale a pena conhecer o projeto. A dica, recebi da minha amiga virtual Simone, que acabou de adotar uma gatinha com a ajuda do site.

Uma última coisa: se você gosta de animais como eu gosto, então, com certeza, não se preocupa com a raça. Bicho é bicho, não importa a raça.

2 Deixe seu comentário::

Guilherme Tolotti disse...

Assisti um abate de porco que também me fez rejeitar carne do bicho por um bom tempo. Mas com o tempo, fui me "civilizando" e passei a comer porco industrializado em linguiças e outras peças que não tinham o mesmo cheiro de carne de porco cozida da colônia, que me faziam lembrar o defunto.

tarciso disse...

Wlad, infelizmente, ainda sou um homo carnivorus, embora goste de animais em geral e dos filhotes em particular, especialmente os cãezinhos. Mais ainda se for viralatas.