domingo, 6 de julho de 2008

Exatos 48 segundos de silêncio

Foi numa madrugada, umas duas semanas atrás. A grande avenida na zona norte, na qual eu moro, sempre em constante movimento, 24 horas por dia, de repente caiu num silêncio absurdo. Eram quase três horas da madrugada, e eu estava cronometrando o tempo que levava para escanear uma página de texto que depois seria lida por um programa OCR. De repente, de forma estrondosa, tudo silenciou. Olhei pela janela e nenhum veículo passava pela avenida. Nenhum trabalhador incauto voltando a pé, nenhum bêbado discursando para os postes, nenhuma garota de programa ou travesti oferecendo explicitamente seus serviços. Nada. Chegava a doer nos ouvidos. Nenhum som a não ser do cooler da CPU e de minha respiração. Olhei de volta para o relógio e fiquei acompanhando o deslocamento digital dos segundos. Quando já estava em 30 segundos eu comecei a achar que algo estava errado. Quando chegou aos 40 me alarmei. E quando já começava a conjeturar, exatamente aos 48 segundos, tudo voltou ao normal. Não demoraram outros 10 segundos para alguém cantar pneus na sinaleira da esquina. O mundo não estava acabando. Ufa!

Voltemos no tempo. Eu tinha pouco mais de 20 anos, estava tentando conhecer alguma religião que me oferecesse alguma resposta razoável, e assim cheguei a um centro espírita. Nenhum ensinamento que tenha vindo dali chegou a me convencer de qualquer coisa, mas jamais esqueci a frase na parede em frente às cadeiras em que esperávamos o atendimento individual: "Se as palavras são como prata, o silêncio vale ouro." Entre dizer bobagens que possam causar problemas e calar-se, escolha sempre a segunda opção.

Sempre gostei de momentos de silêncio, mesmo na adolescência, quando passava horas ouvindo Pink Floyd ou Queen ou Jethro Tull em um volume que enlouquecia minha progenitora. O problema é que ela não gostava de silêncio. Quando queria meditar, tinha que me esconder no fundo do quintal, em cima de alguma árvore ou atrás do canteiro de couve. Era a única maneira de não ficar a mercê da incontrolável papagaice dela.

Há mais de cinco anos saí do silêncio noturno do Jardim Ypú para a algazarra sonora constante dessa avenida. Nas primeiras madrugadas, achei que jamais fosse conseguir dormir. Depois, aos poucos, como quase tudo na vida, fui acostumando. Hoje em dia, meu ouvido já é tão treinado com os barulhos da avenida que eu sei se algo diferente está acontecendo aqui em volta. Só tem, na verdade, um único som que eu não suporto quando chega a noite: o som de telefone tocando. E essa é uma das vantagens de não dormir cedo, nunca antes das duas horas: ninguém me liga depois das dez da noite, mesmo sabendo de meu estranho hábito. Eu prefiro fazer tudo a essa hora: ler, estudar, navegar, escrever, etc. Até trabalhos notadamente diurnos, como a reforma do box do banheiro, mesmo esses eu prefiro fazer à noite.

A edição 167 da TRIP traz uma reportagem sobre o valor do silêncio. Para quem não tem acesso à revista de papel (eu ainda prefiro) o site disponibiliza a matéria na sua íntegra. Você pode ler aqui. O texto "Quanto vale o silêncio?" é uma reflexão muito interessante. São surpreendentes alguns itens abordados pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel. O final da matéria é delicioso de ler. O último parágrafo é poesia pura, feita desse material intangível que são as relações humanas.

De minha parte, eu ficaria muito tempo em silêncio se Elis cantasse para mim.


3 Deixe seu comentário::

Anônimo disse...

Eu tenho uma mania muito chata de querer silêncio no meio de algazarras e barulho quando a conversa acaba.
É meio estranho né?

Eu gosto do jeito que tu escreves...
=]

Beijos!!

Guilherme Tolotti disse...

O silêncio é algo muito raro e estranho mesmo. Muitas pessoas não sabem mais conviver com ele, o siêncio virou constrangimento. E por também morar num local barulhento, compreendo o seu alarme diante de um "armageddom" silencioso.

Cibele Santos disse...

Oi Wladimir!

Nossa, temos duas coisas em comum: moramos em avenidas e gostamos da paz noturna!
Só que minha birra com telefone vai além: detesto durante o o dia todo...rs

Abração!!!