sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O vestido azul


Conto escrito na noite de ontem, logo após uma conversa "inspiradora" no MSN.

“Eu nunca voltaria no tempo", ela me disse, sem me olhar direto nos olhos. Fiquei olhando para seus braços enquanto os pelos se erguiam, cada vez mais. Ela estava a uma distância segura de mim, como se não quisesse ser tocada.
“Me arrepia pensar nisso”, completou. Mostrou-me os braços e já não eram os mesmos que me abraçaram um dia. Estavam flácidos e ela havia engordado. Pensei, sem dizer, que tínhamos envelhecido depressa demais. Aos 30 anos parecíamos ainda tão jovens!
Desviei o olhar e falei que eu voltaria para muitos momentos, se possível fosse. Tive muitos momentos bons em minha vida e não hesitaria em visitar cada um deles, ao menos uma vez. A ideia de voltar também me arrepia, mas de prazer. Não tenho nenhum medo do que passei, do que senti. Sentiria tudo de novo.
“Sorte tua”, ela disse. E olhou para o céu. Uma mania dela, olhar para o céu, como quem procura algo que não sabe onde está e nem sabe o que é.
Pensei tanta coisa interessante para falar, mas quase nada do que penso a interessa, então calei.
“Ainda tenho o vestido azul”, ela disse, provocante, depois de alguns minutos.
Ah, o vestido azul! Imediatamente lembrei da aula. Ela chegou e foi sentar lá na frente. Éramos mais de vinte homens olhando para aquelas costas lindas, com aquele decote exagerado. E de repente ela se vira e olha diretamente para mim. E sorriu um sorriso que me derrubou de mim mesmo por uns dez segundos.
“Teríamos conseguido? Se eu tivesse ficado, teria dado certo?” Dessa vez foi sua voz que me derrubou. “Eu era meio estranha e você muito antipático!”  Pensei imediatamente que a minha sinceridade faz as pessoas me acharem antipático. Todos reclamam da mentira, mas ninguém quer conviver com quem fala a verdade.
Sem pensar, falei que voltaria mil vezes para aquele dia, depois daquela aula. Ela encostada no poste, nossos corpos muito próximos, minha mão tocando-a de forma ousada, procurando seu sexo e ela preocupada que alguém fosse ver, atentado ao pudor, perturbação da ordem pública, alô, é da polícia? Tem um casal fazendo sexo na minha calçada! E a sirene, o medo, a vergonha... o que iam dizer? Mas quem ia dizer, afinal? “Teu medo nos separou para sempre”, falei em voz alta.
“Por favor, não diga isso”, reclamou. Mas eu tinha que falar. E falei.
Eu voltaria mil vezes para aquele momento e também para a primeira vez em que te vi. Eu tentando te ensinar como chegar nem lembro mais aonde e você me olhando, sem falar, e sorrindo, apenas sorrindo. E eu falando sem parar, quase me engasgando com o sanduíche, te mostrando a cidade inteira no mapa, porque sabia que quando eu parasse de falar você diria, ok, obrigada, e iria embora. Como foi. Você sempre foi. E eu sempre achei – sempre esperei – um dia ela volta, um dia ela vem e fica. Mas você nunca voltou, você nunca ficou, a não ser lá no passado, grudada naqueles dois momentos, dois momentos únicos que poderiam ter sido uma vida inteira, mas não foram.
“Não fala mais, deixa assim, não faz assim."
Eu tenho que falar, porque pode ser a última vez, a última chance.
“Se eu tivesse ido e ficado, a gente teria brigado e eu já estaria de volta. Seria muito triste”.
Triste é nunca ter tentado!  E apenas porque você achava que sabia do futuro. Você é medrosa e isso é um abismo entre nós. Eu não tenho medo de nada e você tem medo de tudo que não conhece. Naquele dia, quando acabou o curso e fui contigo até a rodoviária, era o momento exato de mudar tudo. Era a chance de ter sido outra vida, menos banal, menos com medo, sem medo de ser, fosse o que fosse. Esse erro que muita gente comete... Você era fraca e se fingia de forte. Mostrava uma força que não tinha. Porque se vê a força de alguém nas decisões que toma, não nos acertos ou erros que comete. Acertar alguns acertam. Errar muitos erram. Mas decidir, todos têm que decidir o tempo todo. E decidir pelo mais fácil, pelo mais cômodo é a maior covardia. E você não decidiu por mim. Eu era o difícil, o desafio, o desconhecido, eu sei, mas meus olhos te revelavam tudo que precisava saber de mim. E eu nunca deixei ninguém na mão...
Mas agora somos dois "velhos". O vestido azul não te cabe mais. E você não cabe mais em meus olhos. E isso é muito triste, eu sei, pode chorar. Eu também vou chorar senão parar de falar.
Eu voltaria para esses dois momentos, muitas vezes, mas o resto de você eu apagaria de minha mente, se isso fosse possível...
“Estou me sentindo mal, falamos uma outra hora, me desculpa”.

E lá se foi ela mais uma vez, talvez a última.

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